segunda-feira, 13 de junho de 2011

Parabéns! Fernando Pessoa

 
 

No dia em que se assinala o 123º aniversário de Fernando Pessoa, partilho
com os meus amigos um poema de Álvaro de Campos que vale, acima de
tudo, pela sua intemporalidade... 
 
            No TEMPO em que festejavam o dia dos meus anos,

            Eu era feliz e ninguém estava morto.

            Na casa antiga, até eu fazer anos era uma tradição de há séculos,

            E a alegria de todos, e a minha, estava certa com uma religião qualquer.

            

            No TEMPO em que festejavam o dia dos meus anos,

            Eu tinha a grande saúde de não perceber coisa nenhuma,

            De ser inteligente para entre a família,

            E de não ter as esperanças que os outros tinham por mim.

            Quando vim a ter esperanças, já não sabia ter esperanças.

            Quando vim a olhar para a vida, perdera o sentido da vida.

            

            Sim, o que fui de suposto a mim-mesmo,

            O que fui de coração e parentesco.

            O que fui de serões de meia-província,

            O que fui de amarem-me e eu ser menino,

            O que fui — ai, meu Deus!, o que só hoje sei que fui...

            A que distância!...

            (Nem o acho...)

            O tempo em que festejavam o dia dos meus anos!

            

            O que eu sou hoje é como a umidade no corredor do fim da casa,

            Pondo grelado nas paredes...

            O que eu sou hoje (e a casa dos que me amaram treme através das minhas

            lágrimas),

            O que eu sou hoje é terem vendido a casa,

            É terem morrido todos,

            É estar eu sobrevivente a mim-mesmo como um fósforo frio...

            

            No tempo em que festejavam o dia dos meus anos...

            Que meu amor, como uma pessoa, esse tempo!

            Desejo físico da alma de se encontrar ali outra vez,

            Por uma viagem metafísica e carnal,

            Com uma dualidade de eu para mim...

            Comer o passado como pão de fome, sem tempo de manteiga nos dentes!

            Vejo tudo outra vez com uma nitidez que me cega para o que há aqui...

            A mesa posta com mais lugares, com melhores desenhos na loiça, com mais copos,

            O aparador com muitas coisas — doces, frutas o resto na sombra debaixo do alçado —,

            As tias velhas, os primos diferentes, e tudo era por minha causa, 

            No tempo em que festejavam o dia dos meus anos...


            Pára, meu coração!

            Não penses! Deixa o pensar na cabeça!

            Ó meu Deus, meu Deus, meu Deus!

            Hoje já não faço anos.

            Duro.

            Somam-se-me dias.

            Serei velho quando o for.

            Mais nada.

            Raiva de não ter trazido o passado roubado na algibeira!...

            O tempo em que festejavam o dia dos meus anos!... 
 
                                                                                              Álvaro de Campos

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